África ficou para trás, no passado, mas sabe bem recordar as imagens que ficaram do tempo de infância e juventude, quando o "tempo" corria sem que déssemos por ele. Éramos os donos desse tempo como das nossas correrias pelo morro abaixo para um mergulho no mar, do nosso jogo do mata, sempre tão competitivo e briguento porque ninguém queria perder, da tranquilidade no jogo da macaca riscado no alcatrão da rua que tínhamos como nossa, das nossas loucas descidas em patins, em plena liberdade, com a “rápida rabiosca” que fazíamos antes da curva do miradouro para ficarmos preparados para subir novamente e iniciar outra corrida. Nesse tempo, os problemas ainda não nos pertenciam, não havia medos, nem do futuro que tínhamos pela frente, ainda não sabíamos que a vida não era aquela simplicidade como a viviámos, não complicávamos nada, tudo era encarado com leveza.
África, dom mágico que me prende às memórias de um outro tempo e que deixou marcas inesquecíveis. Cordão umbilical, afetivo e de encantamento que me prendem às histórias do passado, lembranças de infância que evoco e alimentam o quotidiano da minha realidade (re) construída tão longe daquela África que me viu nascer, que amo e não quero esquecer, nem alienar.
Recordo a imagem daquela África, sempre generosa e ensolarada, que permanece envolta no perfume e no colorido das acácias rubras que a pontilham de vermelho vivo e a enfeitam de tons garridos e quentes, matizes de fogo e paixão enlaçados sob o enorme abraço do sol quente.
O presépio, em artesanato do Malawí, tem lugar de destaque na decoração natalícia, cá em casa. Um lindo presente que a minha filha colocou no meu sapatinho, no Natal de 2012. Desde então, não o guardei e ficou exposto na sala. Lindíssimo e com um valor afetivo inestimável.
África tão longe, momentos do passado e sem saudosismo. Passado revisitado, sim, com distanciamento e pelo prazer de trazê-la à lembrança para a acomodar mais "perto” do tempo presente e do espaço geográfico que me acolhe. Aqui, os dias de agosto combinam lindamente com o sol luminoso e escaldante da África que recordo.
Lembro a velha máquina de café onde, na hora, o mano mais velho moía os grãos de café torrado para que o aroma e o sabor não se perdessem durante a confeção da bebida. À sombra da frondosa "mandioqueira", espreito a velha mesa do quintal, onde a gente adulta, em ameno convívio, saboreava o café, acabado de ser feito. África tão longe e tão perto, sempre inesquecível.
Sinto o cheiro da manteiga de cacau que se mistura ao aroma dos grãos do café da última safra e que a mãe torrava lá no forno da cozinha. E, à lembrança, vêm todos os aromas de África que se acomodam àquele cheiro intenso do café que invadia a casa e o quintal.
E as cores de África avivam-se no verde dos cachos de bananas dispostos, em fila, no passeio do quintal que me leva à cozinha. E quantas lembranças doces se colam ao perfume daqueles abacaxis e dos cachos de bananas trazidos da fazenda dos tios. Daqueles tios, não de sangue, mas das grandes amizades que se faziam em África e se tornavam duradouras.
Sobram os dias que, teimosamente presentes, perduram ajustados à marca indelével das cores, dos cheiros, dos sons, dos sabores, das gentes de África. E na lembrança, sente-se o cheiro do cigarro que a velha Juliana, a engomadeira, fumava ali sentada no murete do canteiro, depois do almoço e enquanto descansava das suas lides. Quanto os meus irmãos e eu gostávamos dela e a respeitávamos! Lembro da pachorra que ela tinha para aturar a nossa algazarra e correrias, enquanto engomava a roupa à sombra da mandioqueira do quintal.